Ser-se família com uma escola em casa!

22-05-2020

  Neste contexto em que as nossas casas passaram a ser escolas improvisadas e escritórios multi-funções, a dinâmica da família em torno do descanso, do lazer e da troca afectiva sem funções específicas, foi profundamente abalada. Sentir a casa como o porto seguro livre de algumas das pressões e exigências do mundo "lá fora" (ou noutros "dentros"), passou a ser difícil. 

  O quarto deles recebe professores, colegas de turma, reúne todo o material escolar, precisa de silêncio, é local de avaliação e transforma-se também em espaço para fazer exercício físico, orientado! Nas nossas salas, passa a estar um computador no canto da mesa de jantar e o nosso chefe, ou colaboradores e colegas ali, tão perto de onde costumamos relaxar e desabafar sobre eles... Este é um cenário vivido por muitas famílias e a gestão do espaço casa passou a ser confuso

  A confusão acentua-se no que toca aos papéis que desempenhamos e muitos pais questionam até que ponto estão aptos para assumir a função de tutores de ensino (de "professores" até evitam apelidar-se, mas usemos a designação). Vestir a camisola de professor implica um objetivo concreto na interação, acarreta o peso de os encaminhar até um resultado ou produto do seu trabalho e abre a necessidade de uma exigência consistente perante a aprendizagem. A família é o refúgio onde por vezes expressam os sentimentos perante as exigências escolares, o núcleo onde recebem o suporte perante um insucesso, um contexto de acompanhamento e incentivo que apenas ampara este caminho da aprendizagem e realização académica. Agora, passa a ser o local onde a estrutura, a exigência e o sucesso/insucesso acontece e tem, também, de ser monitorizado! Sem excluir o papel do professor que continua a ser preponderante e de liderança neste processo, os pais, sobretudo de crianças do primeiro e segundo ciclo, sentem que foram empurrados para as salas de aula dos seus filhos. 

  Como em tudo na vida, o mais importante é que o sistema e hierarquia de valores sejam o nosso norte. Se os valores base da família são a prevalência do amor, da empatia e do suporte emocional, essa deve ser a resposta final nos momentos de dilema. O risco de falharmos numa função que não é a do nosso papel na vida da criança acarreta menores consequências do que o risco de falharmos na essência do que somos enquanto família. Um professor que exija, que pressione, que repreenda até, terá sempre a integração e compreensão conceptual, social e intuitiva da sociedade e da própria criança. Ela consegue contextualizar aquela atitude na sua função primordial de gerar aprendizagem, evolução e sucesso académico. A imensa maioria dos professores faz isto num equilíbrio pedagógico muito delicado e ajustado que efectivamente impulsiona a criança a expandir o que pensa ser os seus limites. Ainda que por vezes resvalem nesse equilíbrio, a criança sabe, é ser-se professor! 

  Quando um pai ou uma mãe exige, pressiona e repreende no que toca a conteúdos escolares, é certo que pode ajudar a criança a evoluir. Mas se resvala nesse equilíbrio... bem, se resvala nesse equilíbrio, a função primordial de pai/mãe e o valor base da família começam a ser dilacerados. 

  A frase "A minha liberdade acaba onde começa a liberdade do outro" pode ajudar-nos... diria que a o papel de mãe/pai - professor/a acaba onde começa o papel e direito da criança a ser e sentir-se filho/a. Enquanto psicóloga creio que será mais simples o processo futuro de recuperação de aprendizagens e conteúdos que não tenha ficado bem consolidados nesta tal "nova realidade" do que reconstruir e reforçar laços de crianças que possam deixar se sentir acarinhadas, ouvidas, amparadas e suportadas nos seus seios familiares! 

 Aceitemos níveis mais baixos de interiorização de conteúdos, mas não aceitemos que os nossos filhos deixem de ver em nós o porto seguro e a essência do que fomos, tão cuidadosa e amorosamente, construindo na nossa relação

  Continuemos a ser, acima de tudo, família!

(Equacionando a possibilidade de que no próximo ano lectivo ainda podermos continuar numa situação similiar no que toca à organização escolar, importa continuar a reflexão sobre os desafios e as consequências das dinâmicas familiares). 

© 2020 Patrícia Labandeiro. Todos os direitos reservados.
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