Ser (in)feliz - uma obrigação pela qual  pedimos desculpa

14-06-2020

Sou uma apaixonada pelo movimento da busca, da transformação, da superação, da esperança e da utopia. Pelo que gera ganas, vontades, intenções, ânsias... Pelo que nos agarra, nos exalta, nos entusiasma, nos faz olhar no vago da visão e nos faz enrijecer o corpo para agir e chegar a um destino. Sou uma apaixonada teórica, porque me dedico a procurar e a estudar o conhecimento organizado de outros e uma apaixonada prática, porque não gosto nem me deixo permanecer muito tempo na energia da abnegação.

Contudo, sei e observo em mim a necessidade de doses pontuais de comodismo, resignação, passividade, aceitação do que é sem ansiar algo que poderá vir a ser. Nestes estados não me reconheço tão feliz, mas reconheço-me mais madura e humilde. Sem que a garra me tolde a visão, sem que a expectativa do destino me desligue da realidade de cada passo e do mundo imediato envolvente. Mais recatada e silenciosa. Menos enérgica. Mais insegura e questionadora.

No primeiro estado, o da felicidade, corro dois riscos: o de impor a mim própria que é assim que tem de ser, sempre; o de sentir que me devo conter, para que outros não percebam o tamanho da minha paixão pela vida.

No segundo estado, o do desânimo, corro dois riscos: o de me acomodar a uma forma de vida que me protege e me valida na minha insignificante existência; o de ter de esconder esses sentimentos para que os outros não percebam a vulnerabilidade e qualquer inconsistência.

Em ambos os casos e vibrações, não quero que seja sempre assim e não quero ter de calibrar o que revelo (não tenho obrigação de ser feliz nem tenho obrigação de ser contida e socialmente calibrada nas minhas manifestações de felicidade ou de desânimo).

É como se nos catalogassem como tendencialmente felizes ou tendencialmente desanimados perante a vida e depois, depois temos de agir de acordo com essa percepção, dos outros e nossa. Os estados mais habituais "empurram-nos" para mais perto da "tribo" que se sente ou situa da mesma forma que nós e então... então, passa a ser mais difícil viver assumidamente o outro lado da existência.

Parece que tudo tem de ser muito bem ajustado.

Ser feliz sim, é tua obrigação, mas não demonstres nem sorrias demasiado.

Ser desanimada e carregar algum fado, sim, é a tua obrigação, mas não te queixes demasiado.

Se estás no meio dos que são felizes, opta pela primeira. Se estás no meio dos desanimados, opta pela segunda. Se não sobressaíres muito face ao "rebanho", sobrevives com mais segurança. Não tentes ser feliz no meio dos desanimados nem mostres o teu desânimo no meio dos felizes.

Procuramos coerência e consonância (cognitiva e emocional) no nosso percurso de vida e nas realidades e pessoas com que vamos lidando. Temos dificuldade em ser múltiplos e híbridos. Isso diminui o nível de previsibilidade e aumenta o risco.

Julgo que o desafio é viver e expressar a felicidade com a mesma aceitação com que vivemos e expressamos o desânimo. Não "pedir desculpa" porque queremos abraçar o mundo, dar gargalhadas, defender a utopia! Mas não pedir também desculpa quando não conseguimos ter uma esperança firme, quando as perguntas angustiam mais do que as respostas confortam, quando a almofada e o silêncio de um buraco são o cuidado de que precisamos. Para depois renascer e voltar a abraçar o mundo!

Sem ditaduras emocionais. Livremente felizes, livremente tristes. 

Livremente vivos!  

© 2020 Patrícia Labandeiro. Todos os direitos reservados.
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