Paradoxos da Felicidade

29-04-2020

O conceito e formas de vivência da felicidade são dimensões da existência humana que sempre me cativaram. Cativam a atenção, a curiosidade, a vontade de saber mais mas também as angústias e os "vazios"! Julgo ser a questão fulcral da própria existência e dedico-lhe muito tempo de estudo mas também de concretização empírica. As viagens a países que colocam no topo das suas preocupações, os níveis de felicidade da população, como a Dinamarca e o Butão, são os meios de "análise" de que mais gosto. "Estudar" mais sobe a felicidade enquanto faço algo que me deixa tão feliz, viajar! Estas visões (e podíamos aqui focar o contraste de uma cultura de felicidade ocidental e uma cultura de felicidade oriental) são o pano de fundo e um plano mais macro daquilo que as sociedades, as comunidades e o poder político e estatal, perseguem enquanto objetivo comum. Mas importa também falar do particular, de como cada um de nós sente a felicidade e se ressente da falta dela. Neste encontro, foi ideia consensual que a felicidade não é um estado permanente e que poderá até implicar em si o conceito do oposto. A infelicidade como parte integrante da experiência de felicidade ou como necessidade de oposição que lhe dê sentido. É neste paradoxo que me quero focar. Creio que possam existir dois tipos diferentes de felicidade (e não me refiro a conteúdos e formas de se ser feliz, porque aí, teremos tantos quantos seres humanos existem, ou talvez mais, porquanto somos em muitos aspectos duais e construímos percepções diferentes ao longo da vida). Estes dois tipos de felicidade referem-se à "estrutura" do sentimento. Uma felicidade leve, sorridente, prazerosa, hedónica. Outra felicidade em que existe um certo peso, em que não rimos, em que não mergulhamos no prazer, em que abdicamos até desse prazer imediato como objetivo supremo... em que saber o sentido, em que cumprir os valores, em que fazer o correcto de acordo com o que nos define, em que servir algo maior que nós, nos leva um estado de felicidade existencial, não necessariamente terrena, não necessariamente visível nas expressões, nem quantificável em níveis de dopamina. Este é um tipo de felicidade transformador. Num exemplo bastante extremo mas tão comum nas nossas vidas, quando acompanhamos uma pessoa que amamos num processo de doença e, ainda mais extremo, no caminho até à morte, não estamos clara, obvia e inevitavelmente felizes na assunção generalista no termo. Mas sabermos que estamos a garantir os cuidados de que aquela pessoa precisa, que estamos presentes a minimizar dores, que estamos em guerra e vitória perante a solidão, que estamos a honrar a nossa história e relação com essa pessoa, que estamos a cumprir a nossa missão de cuidador, que estamos a trazer amor ao momento mais desafiante das nossas vidas... isso traz uma felicidade transformadora! Quando fazemos algo do que tipicamente dizemos que "gostamos", isso traz alegria e é bom, é fantástico, queremos ficar neste estado ou lá voltar rapidamente. Mas será transformador? Trará novas dimensões da nossa existência? Mostrará mais do que somos? Trará uma elevação? Ambas são necessárias para o ser humano que quer crescer e expandir-se. Em Psicologia falamos de crescimento pós traumático como o fenómeno de aquisição de novas competências/capacidades e adopção de uma visão mais adaptativa da vida e seus desafios, como consequência da vivência de uma experiência potencialmente traumática. Esta felicidade transformadora poderá ser entendida como o movimento de levar a consciência deste potencial de crescimento para o momento presente em que a dor está a acontecer. Assim, equilibrar a dor/infelicidade do momento pela consciência de como isso nos está a elevar além do terreno. O crescimento a este nível é uma experiência existencial (espiritual para quem sentir a ligação a esta dimensão). A consciência dele no momento exigente (ex. quando damos a mão a quem amamos num momento de doença; quando nos superamos num momento de dor; quando por exemplo avançamos numa missão humanitária que nos coloca perante o sofrimento de outros...) poderá ser o caminho para uma visão mais consistente da vida como uma experiência de felicidade. É difícil imaginar que em contextos extremos por exemplo de guerra e caos, seja possível entrar em conexão com esta consciência superior. Mas incrivelmente, há quem o faça... Basta ler "Um Homem em busca de um sentido" que percebemos de que forma Viktor Frankl construiu um significado para sua experiência num campo de concentração Nazi e trouxe a consciência de como se elevaria e de como esta passagem dolorosa da sua vida seria um ponto de partida para uma concretização maior. Vivendo com a dor extrema e o terror, sua e de todos à sua volta, trouxe uma narrativa para essa experiência que lhe permitiu resistir e construir, com orgulho pessoal e momentos fugazes de uma improvável felicidade, um legado que o engradeceria. E engrandeceu. Esta não é a forma de transformação que procuramos, que desejamos, que escolhemos... o que buscamos é a felicidade hedónica, a leve, a que nos faz sorrir, aquela em que facilmente percebemos que a vida tem uma "força feliz" por si mesma! Mas a existência humana acarreta sempre os momentos de dor... esta felicidade de transformação será uma forma amadurecida, resiliente e emocionalmente inteligente de lidar com a inevitabilidade da infelicidade. 

A nossa luta poderá ser esta, a de buscar a felicidade leve mas aceitar o que nos traz a dor, como forma de nos superarmos e descobrirmos sentidos. Num contexto de dor, ser capaz de ver o amor, de ver os pequenos gestos, de estar grato pelos recursos internos e externos que temos disponíveis para lidar com essa situação, persistir no que está coerente com os nossos valores, prever que a dor não dura sempre e que depois disso fica o orgulho pessoal pela forma como lidamos com ela e ficam novas aprendizagens sobre nós, quem sabe novas competências. Se equilibrarmos estas duas dimensões da felicidade, será mais naturalmente assumida a tal resposta à fatídica questão: és feliz? "Sim, sou feliz, às vezes porque amo, sorriso, tenho prazer e me divirto e outras vezes porque me transformo. Sou feliz, também, quando me transformo." 

© 2020 Patrícia Labandeiro. Todos os direitos reservados.
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