Mindfulness - uma experiência transformadora na Índia

26-05-2020

   Em 2015 fechei os olhos, ouvi a intuição, confiei e arrisquei... uma viagem de 15 dias com 11 mulheres que não conhecia, a um dos Países mais desafiantes da Ásia, Índia! A Mikaela Övén era a organizadora e prometia uma experiência em que aprenderíamos mais sobre Mindfulness. Imaginei momentos de palestra informal ao fim do dia, práticas orientadas e workshops com algum conteúdo estruturado. Não sabia que a revelação e integração daquilo a que nos convida o Mindfulness, se daria sem plano, sem intenção e no fim da subida à montanha sagrada de Arunachala em Tiruvannamalai (Tamil Naduno - sul da Índia). Foi aí que compreendi o que é estar em consciência e presença mas simultaneamente separada da experiência, como observadora compassiva da vida a acontecer e de mim nesse mágico acontecimento.

   Gosto de viajar por tantas razões que não "caberiam" aqui. Mas sobretudo porque fico num estado de absorção da realidade e do mundo diferente do que tenho no quotidiano. Fico mais atenta, sensível, reactiva, emotiva... tenho, nestes momentos, total consciência de que me estou a despedir do mundo. Estou, em simultâneo, a ver algo pela primeira vez e com a noção de que será, muito provavelmente, a última vez... conheço e despeço-me e isto gera uma intensidade caótica e pacífica ao mesmo tempo. Um ano de vida sem viajar é, para mim, um ano incompleto. Este estado acompanha-me nas viagens e é bem vindo mas quando comecei a perceber o ritmo e o caos das cidades indianas, receei que fosse viver uma nova consequência desta sensibilidade, uma espécie de sobrecarga emocional e mental que internamente ressoasse como desconforto, cansaço, confusão... Antecipei mas, como tantas vezes nas nossas vidas, só essa antecipação é que gerou desconforto, o acontecimento indesejado em si, nunca se deu! A intensidade abriu portas para descobrir outra forma de olhar o caos e daí trouxe uma experiência e uma metáfora que me acompanharão para a vida.

   Na Índia é tanta a informação a integrar, tantas realidades que fogem do que por norma conhecemos, tantos elementos caricatos (ao nosso olhar ocidental), tantas cores e ruídos, tanto movimento, tanta coisa "fora do sítio" (na visão da "ordem" que temos, culturalmente influenciada), que o processo de conhecer e despedir é quase "frenético"... e estranhamente gerou-se um sentimento de calma. No cimo da montanha, depois de uma caminhada de cerca de 6 horas que iniciou às 5 da manhã e incluiu paragem para ver o nascer do sol, tive uma visão clara do que pode ser a tal observação consciente da vida, do próprio "eu" fora da experiência. Estar naquela calmaria observando e ouvindo o tumulto da cidade foi como poder olhar para dentro de mim (por vezes tão tumultuosa e caótica) e apenas ver-me e deixar-me acontecer. Sem interferir, estar lá. Ver o movimento sem me sentir a mexer, ouvir as buzinas e barulho de fundo sem lhe dar resposta, sentir a confusão sem deixar que me invadisse. Estar e não me "implicar", apenas observar. Sentada numa pedra quente, acompanhada mas na minha privacidade e intimidade, respirando e observando... sentindo o calor, a brisa, o voo das borboletas, a alegria dos macacos que curiosos se aproximavam, a energia sagrada daquele local, compreendi experiencialmente o que significa vermo-nos na dimensão humana mas existirmos na dimensão mais etérea e espiritual (o tal "observador" independente do corpo de que nos fala José Cardoso Pires, no maravilhoso livro "De Profundis, Valsa Lenta"). Um misto de presença consciente de tudo o que nos envolve e do nosso próprio corpo mas com a capacidade de discernir o que é ruído e o que é essência.

   A "promessa" da Mikaela Oven cumpriu-se. Talvez nem ela soubesse dizer-nos a forma, momento da viagem ou estratégia que levaria a isso, mas sabia que a Índia e as experiências que iríamos viver, em algum ponto, trariam, mais do que aprendizagem, a transformação.

   Depois da experiência, vem a significação e a integração. Signifiquei este momento como a compreensão e capacidade (que acredito ser universal e inata) de me observar, compassivamente, a ser pessoa (no seu potencial e no seu caos) e integrei-a como um lugar seguro, uma âncora e uma metáfora. Lugar seguro protector e gerador de conforto (que funciona como estratégia de gestão emocional em momentos de turbilhão); uma âncora (como nos ensina a Programação Neuro Linguística, um condicionamento neuro-associativo optimizado); e como uma metáfora (acredito que somos essencialmente a narrativa que construímos). 

    De forma mais aplicada, integrei-a como um meio de desfrutar da vida do quotidiano em que tantas vezes me sinto abalroada por listas infindáveis de tarefas e auto-imposições de objectivos a atingir. Gosto desta dimensão interna agitada de que sou feita, mas por vezes é necessário sair dela... e ir para aquela local, quente, calmo, lindo e inspirador da montanha de Arunachala, onde a Patrícia das mil e uma coisas fica na sua lufa-lufa diária lá longe... lá em baixo, onde se ouviam as buzinas e o frenesim! 

   Sentirmos a existência para além daquilo que nos acontece é um porta aberta para a transformação e conexão com algo maior e universal. 

© 2020 Patrícia Labandeiro. Todos os direitos reservados.
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