Incondicionalidade na Educação

08-05-2020

O conceito do amor incondicional, quando extrapolado para uma educação que tudo admite e para uma mensagem de que existe um valor intrínseco independente da retidão e da ética do nosso comportamento, pode formar gerações demasiado egocentradas nas suas necessidades e pouco capazes de cooperar e ir ao encontro do outro.

Existe atualmente uma intenção muito assumida da parte de inúmeras famílias de que os seus filhos sintam de forma profunda e consistente a incondicionalidade do seu amor. Isso faz todo o sentido e será a base de uma auto-estima resiliente às vicissitudes e impactos de uma sociedade que em muitos contextos onde se poderão vir a movimentar, "cobra" perfeição e alto desempenho. Contudo, é importante relembrar que essa incondicionalidade tão reconfortante no "ninho" da família nuclear, não representa a sociedade. Uma série de "condições" existem e muitas das que existem servem o propósito válido de nos fazer respeitar o espaço, necessidades e direitos do outro.

Se por um lado queremos transmitir aos nossos filhos que mesmo que errem e tenham um comportamento que prejudica outra pessoa, nós continuaremos a amá-los nesta incondicionalidade, por outro lado, temos de os ajudar a compreender que a amizade pressupõe capacidade de evitar ações danosa para o outro e que o "amigo" permanecerá nas nossas vidas enquanto formos fieis a este princípio. Se por um lado queremos transmitir que mesmo que num momento de raiva, partam alguma coisa ou até nos insultem, os continuaremos a amar nesta incondicionalidade, por outro lado, temos de os ajudar a compreender que comportamentos impulsivos e intempestuosos podem ter consequências como por exemplo a perda de um posto de trabalho ou, em extremo, consequências legais. Se por lado, este nosso amor incondicional pode suportar até uma agressão que seja expressão de frustração e dificuldade de auto-regulação emocional e sabemos que continuaremos presentes, em afeto, a ajudá-los a evoluir, por outro lado, temos de os ajudar a compreender que, por exemplo, não é esperado que uma namorada/o aceite este tipo de comportamento e que terá toda a validade e direito de se afastar... a questão não á a incondicionalidade em si, mas a forma como, quando levada como valor essencial que se sobrepõe a todos os outros, pode gerar nas crianças uma visão de um mundo e das relações que incondicionalmente têm de lhes dar oportunidades, de lhes garantir tolerância e de protegê-los das consequências. O mundo não é incondicional e o crescimento num "ninho" em que a amor tudo tolera, não representa as "regras" das relações sociais, das relações profissionais, das relações amorosas... Esta adoção da incondicionalidade como suposta característica base de todas as relações, acarreta o risco de formarmos crianças que exigem a presença, o cuidado e o afecto ao outro de forma independente da qualidade do seu contributo para o bem estar e felicidade desse outro. Se eu acredito que faça o que fizer, o amor do outro em nada muda, posso diminuir o meu nível de consciência ética e a minha intenção de me aproximar do outro para o compreender. Enquanto psicóloga, trabalhando essencialmente com adultos que tantas vezes partilham angústias relacionadas com comportamento desadequando dos filhos, não posso deixar de notar e de refletir sobre os riscos desta incondicionalidade. É importante que a criança saiba e sinta que o nosso afeto não é flutuante face aos resultados ou comportamentos observáveis que tem, mas é importante também que compreenda que esses resultados e comportamentos observáveis serão a base de muito do que acontecerá na sua vida futura. Não atingirá determinados objetivos sem que cumpra determinados resultados e não viverá relações recíprocas gratificantes se não tiver comportamento observáveis e consistentes de respeito, cuidado e demonstração de amor pelo outro. A incondicionalidade pode entrar em "colisão" com a noção de reciprocidade e isso, será um risco para as nossas crianças e para as sociedades futuras. Nós não lhes conseguiremos assegurar um mundo incondicional e ironicamente nós não queremos que eles vivam subjugados aos outros filhos que pensem que os nossos poderão ter de os amar independentemente do comportamento que com eles tenham. Se estamos todos num processo de transformação constante e se o perdão existe? Sim, para ambas as questões. Mas julgo que será melhor educarmos crianças que reconheçam os seus erros e possam, por isso, sentir-se por vezes abaladas na sua auto-estima do que crianças que partam do princípio que a resolução dos conflitos e das situações emocionalmente difíceis está (impreterivelmente) no perdão do outro. É saudável a capacidade de nos pormos em causa e de questionarmos o valor do que fazemos tendo em conta o contributo para o bem estar geral e para o bem estar de quem amamos. Se crescermos num ambiente educativo que não nos ajude nesta auto-avaliação e que apenas nos transmita que façamos o que fizermos, temos presença e amor garantidos, será mais moroso e doloroso percebermos a necessidade de nos questionarmos, de pormos em causa a validade de algumas ações, de analisarmos se estamos a agir de forma proporcional ao amor que esperamos... a vida encarregar-se-á disso mas sejamos mais sinceros e realistas com as nossas crianças: o mundo não é incondicional!             

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