Consciência da Morte

19-04-2020

Uma das questões que, enquanto psicóloga, me coloquei a dado momento (quando me confrontei com a realidade dos lutos mal resolvidos e os impactos nefastos e prolongados que podem ter em inúmeras dimensões da vida), foi "de que forma poderemos viver as perdas e integrar a inevitabilidade da morte como fatores de valorização da vida e motivação para a procura da felicidade". Quando iniciei consulta clínica deparei-me com uma realidade para a qual não estava preparada: quadros de patologia psicológica no adulto que decorriam de experiências de perda e luto traumáticas, camufladas e bloqueadas. Luto não é depressão e isso eu havia aprendido, mas questionei-me sobre os mecanismos que levavam a que um luto disfuncionalmente vivido se pudesse transformar num suposto quadro de depressão crónica, de ansiedade generalizada ou de alterações de personalidade (ou de comportamentos que levavam a colocar a hipótese diagnóstica de um traço latente de disfunção mais estrutural). Estudei então sobre a relação entre a vivência de uma perda significativa e o nível de auto realização no jovem adulto. Questionei se não poderiam existir experiências em que perda resultava em "ganho" e considerei que se conhecesse melhor esses processos de resiliência e reconstrução pós trauma da morte, poderia ajudar os clientes no processo oposto a reestruturar as suas experiências de luto e rebuscar esses potenciais impactos positivos não vividos. As conclusões foram de que os impactos positivos dependiam mais de características de personalidade e mecanismos de coping anteriores do que das características da perda em si. Apesar de não ser possível viver experiências passadas validando impactos que exigiriam competências não existentes à data, é possível orientar na reconstrução da narrativa e aproximá-la da narrativa que essas pessoas mais resilientes constroem. O facto de passarmos pela morte de alguém próximo, confronta-nos com a finitude de uma forma impactante e se tivermos a maturidade emocional necessária e permitirmos o processo de reflexão existencial e espiritual que daí pode decorrer, poderemos integrar formas diferenciadas de viver o dia a dia, as relações, os objetivos profissionais e a própria existência humana. Em países como o Japão podemos encontrar cursos de preparação para a morte. Este seria um processo natural e inevitável que estranhamente é adiado, evitado e por vezes totalmente anulado, tal é o desconforto e medo de encararmos a nossa própria finitude. Será mais fácil viver sem esta consciência mas quando assim se permanece, não se vive na intensidade de tudo o que a experiência da vida tem para nos oferecer. Viver é, também, prepararmo-nos para a morte. Para que esse momento tão importante do nosso ciclo (ou a aproximação a) seja vivido com a aceitação, com gratidão pela dádiva da vida e com esperança. Se mantivermos a consciência do tempo limitado, será mais fácil manter o foco no essencial do que queremos absorver da vida e poderemos preparar-nos para uma despedida mais preenchida, mais pacífica, mais benevolente... haja tempo para esta preparação, vivamos em constante preparação. 

© 2020 Patrícia Labandeiro. Todos os direitos reservados.
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